Política e Luta de Classes

Dotado da voz para se comunicar, o homem, segundo Jacques Rancière aponta em O Desentendimento: Política e Filosofia (1996, p. 19), estabelece termos que designam o desagrado e a consequência de seus atos, sendo o nocivo e o justo, as palavras blaberon e sympheron. A primeira tem relação com o desagrado de um indivíduo por seu ato ou mesmo a ação de outro indivíduo, o dano. Já sympheron, é a relação de uma pessoa ou um grupo obtém uma vantagem em relação aos demais por conta de uma ação. Para Platão o justo na polis é não haver blaberon quanto há sumpheron.

Segundo o autor, que usa o livro V da Ética a Nicômaco, a solução para uma sociedade justa é não pegar mais do que a parcela nas coisas que são vantajosas e menos do que sua parcela das coisas que são desvantajosas. Levando em conta que o blaberon é o nocivo e o sympheron as coisas vantajosas. Começando então a falar sobre onde a política se inicia, Rancière informa que ela nasce quando já não é possível equilibrar os lucros e as perdas e quando se alegraram cedo demais em reconhecer a superioridade do bem comum.
É em nome do dano que lhe é causado pelas outras partes que o povo se identifica com o todo da comunidade. Quem não tem parcela – os pobres da Antiguidade, o terceiro estado ou o proletariado moderno – não se pode mesmo ter outra parcela a não ser nada ou tudo. Mas é também mediante a existência dessa parcela dos sem-parcela, dessa nada que é tudo, que a comunidade existe enquanto comunidade política, ou seja, enquanto dividida por um litígio fundamental, por um litígio que afeta a contagem de suas partes antes mesmo de afetar seus “direitos”. O povo não é uma classe entre outras. É a classe do dano que causa dano a comunidade e a institui como “comunidade” do Just e do injusto.

O povo aqui é aquele que, depois de livre, pode falar e decidir dentro da sociedade. Por isso, diante do poder exercido pelo povo na democracia, a luta de classes se instaura com cada vez mais força. Exemplo disso foi a última eleição para Presidente do Brasil, em 2014. Disputaram o cargo máximo do país, no segundo turno, o senador Aécio Neves e a então atual presidenta Dilma Rousseff. Em 27 de outubro, a vitória da presidenta Dilma foi muito criticada por círculos da direita no país.

Para o filósofo Vladimir Safatle, os mais perspicazes entendem que a eleição se ganha com um tom voltado à esquerda. Quando em 2002 Lula ganhou a eleição, o PSDB – partido de direita – possuía 40% dos votos, em média. Hoje chegou aos 48%. Não existe uma classe média que chegue aos 40% no Brasil. A luta de classe sempre existiu, com um terço de seus eleitores oscilando entre esses polos. Como um reflexo do conservadorismo brasileiro, apesar da vitória “esquerdista”, o Brasil vê a composição de seus ministros, vereadores, senadores, os mais conservadores da história.

Para Marcos Nobre, doutor em filosofia, as últimas eleições para presidente no Brasil foram uma guerra de classes no país e mostram que algo mudou no cenário político brasileiro. Em meio às manifestações contra a eleição, o filósofo aponta que isso é um avanço enorme na democracia. A direita descobriu um meio de manifestar em junho de 2013, enquanto a esquerda descobriu que pode ter mobilização de massa.

Esse conflito de interesses é resultado da política. Existe política quando existe uma heterogeneidade no processo. O seu princípio é a igualdade, para isso é preciso renunciar alguns benefícios e aceitar alguns danos. O que assegura o trânsito dessas relações é o poder.

Para Rancière, é antiga a luta de classes e para ele não é com essa luta que a política deve contar. A política se estabelece quando existe uma parcela dos sem-parcela, algo que envolva os pobres. É errado pensar que há política por conta da oposição dos ricos aos pobres. É a política, que consiste na interrupção da dominação dos ricos aos pobres, que faz com que os pobres existam enquanto instituição.

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