jul
22
2016
Dotado da voz para se comunicar, o homem, segundo
Jacques Rancière aponta em O Desentendimento:
Política e Filosofia (1996, p. 19),
estabelece termos que designam o desagrado e a consequência de seus
atos, sendo o nocivo e o justo, as palavras blaberon
e sympheron. A primeira tem relação com o
desagrado de um indivíduo por seu ato ou mesmo a ação de outro
indivíduo, o dano. Já sympheron, é a relação de uma pessoa ou um
grupo obtém uma vantagem em relação aos demais por conta de uma
ação. Para Platão o justo na polis é não haver blaberon quanto
há sumpheron.
Segundo o autor, que usa o livro V
da Ética a Nicômaco, a solução para uma
sociedade justa é não pegar mais do que a parcela nas coisas que
são vantajosas e menos do que sua parcela das coisas que são
desvantajosas. Levando em conta que o blaberon é o nocivo e o
sympheron as coisas vantajosas. Começando então a falar sobre onde
a política se inicia, Rancière informa que ela nasce quando
já não é possível equilibrar os lucros e as perdas e quando se
alegraram cedo demais em reconhecer a superioridade do bem comum.
É em nome do dano que lhe é causado pelas outras partes que o povo se identifica com o todo da comunidade. Quem não tem parcela – os pobres da Antiguidade, o terceiro estado ou o proletariado moderno – não se pode mesmo ter outra parcela a não ser nada ou tudo. Mas é também mediante a existência dessa parcela dos sem-parcela, dessa nada que é tudo, que a comunidade existe enquanto comunidade política, ou seja, enquanto dividida por um litígio fundamental, por um litígio que afeta a contagem de suas partes antes mesmo de afetar seus “direitos”. O povo não é uma classe entre outras. É a classe do dano que causa dano a comunidade e a institui como “comunidade” do Just e do injusto.
O povo aqui é aquele que, depois de livre, pode falar e
decidir dentro da sociedade. Por isso, diante do poder exercido pelo
povo na democracia, a luta de classes se instaura com cada vez mais
força. Exemplo disso foi a última eleição para Presidente do
Brasil, em 2014. Disputaram o cargo máximo do país, no segundo
turno, o senador Aécio Neves e a então atual presidenta Dilma
Rousseff. Em 27 de outubro, a vitória da presidenta Dilma foi muito
criticada por círculos da direita no país.
Para o filósofo Vladimir Safatle,
os mais perspicazes entendem que a eleição se ganha com um tom
voltado à esquerda. Quando em 2002 Lula ganhou a eleição, o PSDB –
partido de direita – possuía 40% dos votos, em média. Hoje chegou
aos 48%. Não existe uma classe média que chegue aos 40% no Brasil.
A luta de classe sempre existiu, com um terço de seus eleitores
oscilando entre esses polos.
Como um reflexo do conservadorismo brasileiro, apesar da vitória
“esquerdista”, o Brasil vê a composição de seus ministros,
vereadores, senadores, os mais conservadores da história.
Para Marcos Nobre,
doutor em filosofia, as últimas eleições para presidente no Brasil
foram uma guerra de classes no país e mostram que algo mudou no
cenário político brasileiro. Em meio às manifestações contra a
eleição, o filósofo aponta que isso é um avanço enorme na
democracia. A direita descobriu um meio de manifestar em junho de
2013, enquanto a esquerda descobriu que pode ter mobilização de
massa.
Esse conflito de interesses é resultado da política.
Existe política quando existe uma heterogeneidade no processo. O seu
princípio é a igualdade, para isso é preciso renunciar alguns
benefícios e aceitar alguns danos. O que assegura o trânsito dessas
relações é o poder.
Para Rancière, é antiga a luta de classes e
para ele não é com essa luta que a política deve contar. A
política se estabelece quando existe uma parcela dos sem-parcela,
algo que envolva os pobres. É errado pensar que há política por
conta da oposição dos ricos aos pobres. É a política, que
consiste na interrupção da dominação dos ricos aos pobres, que
faz com que os pobres existam enquanto instituição.
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